Tem certas situações da vida que a pessoa só consegue ficar entendendo com o passar do tempo. No linguajar popular: quando a velhice vai chegando.
Quando criança, eu morava no que se chamava “Final de rua”. Era uma rua que tinha casa de um lado e do outro era sítios. A cidade era pequena (Itabaiana-SE, década de 70 do século XX). Desde o meu nascimento sempre morei nas proximidades do chamado Beco Novo (Rua Coronel Sebrão) e até a adolescência morava em casas alugadas.
Desde criança notava que as pessoas tentavam se engrandecer denegrindo a imagem dos outros. Sempre se tentava desqualificar ou denegrir, o semelhante, na tentativa de intimidar ou mesmo de se sentir grande. Isso era comum entre criança, adolescentes, adultos e era absorvido por todos (inclusive eu) como uma coisa normal. Para tentar desmoralizar o semelhante eram observados aspectos físicos, morais, classe social, local de moradia, etc. Acredito que em todas as sociedades existam esses procedimentos, mas existem lugares que são mais generalizados.
Se a pessoa tivesse um pequeno problema físico, roupas humildes, pouco vocabulário e trabalhasse em alguma profissão que não fosse considerada nobre, era motivo de se colocar algum apelido (geralmente pejorativo). O interessante é que essas regras, de se tentar sentir grande, eram comum entre os que estavam bem colocados ou não na chamada sociedade civilizada. Todos faziam isso, uns com os outros, como se fosse uma coisa normal e inteligente!
Em relação à moradia, toda vez que eu ou algum dos colegas de rua, era perguntado onde morava e dava o endereço da Rua Hunaldo Cardoso, Rua Monsenhor Constantino, Rua Padre Felismino ou Rua Miguel Teixeira, logo se ouvia em contrapartida: e onde fica isso? E sempre aparecia o feliz morador do centro, adjacência da igreja e praças para dizer: fica lá perto do Açude Velho! Sempre notei que os seres importantes estavam exagerando, de maneira proposital, para tentar denegrir, como se morar próximo ou distante do Açude Velho fosse uma coisa desonesta ou moralmente ruim.
Por ocasião do falecimento do meu pai, eu e minha mãe resolvemos vender a única coisa que ficou de herança e compramos uma casa no Conjunto General João Pereira. Na época o conjunto era afastado da área urbana e era um local de moradores mais humildes financeiramente. Quando da mudança, alguns desses colegas de infância me perguntou: vai se mudar pra onde? Eu informei o novo local da moradia e os nobres colegas de infância (se diziam amigos) foram logo taxando: “mais ali só mora puta e viado!” Eu prontamente respondi sem pestanejar: “a puta é minha mãe e o viado sou eu, mas não vou pagar mais aluguel pra ninguém!!!” Todos os cinco me olharam em silêncio e eu sair rumo ao novo endereço. Nesta história, eu e os cinco, supostos amigos, morávamos na Rua Hunaldo Cardoso e que pejorativamente nos diziam moradores do Açude Velho!!! Ironicamente, os discriminados estavam discriminando os de outras localidades!!!
Depois de adulto fui morar em Aracaju e passei a ir para Itabaiana para visitar os parentes. Numa dessas visitas parei no que era conhecido como “Bar do Gia”. Ao lado alguns adolescentes conversavam. De repente um deu um murro no outro e perguntando: “você pode chamar meu pai de viado e minha mãe de puta?” O que recebeu o murro tentou se levantar praguejando: “naquele conjunto só tem viado e puta!” Acabou levando outro murro! O tempo passou e os que se sentiam mais importantes, por morarem no centro da cidade (as vezes nem moravam no centro), continuavam com a mesma mentalidade depreciativa de anos atrás.
Muitos conterrâneos costumam afirmar que antigamente as ruas, de Itabaiana, tinham os nomes bonitos, mas na realidade não era bem assim. A grande maioria das ruas, próximas às duas principais praças da cidade e das que ficavam próximas a Igreja Matriz, tinham nomes que se podiam dizer elegantes, mas a grande maioria das ruas onde moravam as pessoa mais humildes tinham nomes pejorativos e não muitos nobres. No centro da cidade as ruas se chamavam: Ruas das Flores, Rua da Vitória, Rua do Sol, etc. Mas na periferia tinha as ruas com nomes: Rua do Cacete armado, Rua do Fato, Rua do Ovo, Lata Velha, etc.
Antônio Carlos Vieira
Licenciatura Plena - Geografia (UFS)
www.carlosgeografia.com.brr
Texto original : OS CEBOLEIROS
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