terça-feira, 19 de abril de 2022

A reunião dos alienígenas, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O Brasil é uma verdadeira Torre de Babel humana, mas aqui todos falam a mesma língua portuguesa. Nosso país é claramente um destino privilegiado para os alienígenas.




A reunião dos alienígenas

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Toda história deve ter um final, que pode ou não resolver os conflitos em que os personagens foram jogados. Mesmo quando ocorre uma reviravolta, dando a impressão de que o escritor não está em controle do curso da ação escolhido pelos personagens, isso é apenas uma ilusão. O bom escritor mostra sua habilidade se escondendo. Um escritor medíocre – eu devo admitir a hipótese de que esse é o meu caso – não consegue resistir a tentação ou pathos de mostrar-se no controle de cada palavra, frase, parágrafo da história que entra no nosso mundo através de suas mãos. Mas e se toda história tiver nascido em outra dimensão, num mundo em que nenhum autor consegue realmente penetrar?

Esse poderia ser o começo da minha história. Mas eu suponho que a história que será aqui contada é mais banal. Se um disco voador pousa nos EUA, isso só pode ser interpretado pelos americanos como a reafirmação da superioridade moral e do destino manifesto da nação deles. Na Europa, sempre tão orgulhosa e cheia de gente, um disco voado provavelmente derrubado com mísseis antiaéreos, porque os europeus tendem a acreditar que os russos estão sempre tentando invadir seu espaço aéreo ilegalmente. Na Rússia, por outro lado, ocorreria algo diferente. O país dos russos tão vasto e desabitado que um disco voador pousaria num lugar ermo e seria incomodado apenas pelos ursos. Mas no Brasil, país imenso, populoso e acanhado, que oscila entre a depressão e a insegurança, a chegada de disco voador nem seria notado.

Entre nós brasileiros, um alienígena poderia se esconder e viver uma vida tranquila. Ele poderia ser um homem negro que vota em racistas, uma puta que se apaixona pelo cafetão violento, um traficante viciado em drogas, um policial honesto e educado, ou quem sabe, um pastor que invoca diariamente o demônio para amedrontar os crédulos a fim de manter a fonte de renda dele.

Os norte-americanos tentariam se aliar ao alienígena para salvar a galáxia ou, se necessário, o combateriam para salvar o mundo. Os europeus tentariam se salvar do maldito imigrante espacial. Os russos provavelmente não teriam a oportunidade de cruzar com o alienígena. Os brasileiros, porém, o fariam aprender a dançar samba, a comer feijoada ou macarrão com feijão e a espantar a melancolia com caipirinha.
No concerto das nações, o Brasil é a mais desconcertante delas. Nós vemos filmes norte-americanos, mas odiamos o imperialismo dos EUA. Nós olhamos com inveja para a Europa, mas o nosso clima é muito melhor do que o europeu. Nós desprezamos a África, mas fomos colonizados como a África e os descendentes de africanos constituem uma parcela importante da população brasileira. A maior comunidade de japoneses fora do Japão está no Brasil. Existem mais brasileiros descendentes de libaneses do que libaneses no Líbano.

O Brasil é uma verdadeira Torre de Babel humana, mas aqui todos falam a mesma língua portuguesa. Nosso país é claramente um destino privilegiado para os alienígenas. Desconfio que eles estão entre nós. Eu provavelmente conheci alguns ao longo de minha vida. Bolsonaro e os minions dele no Exército, no STF, no MPF, na AGU e no Parlamento não são seres humanos, nem normais. Duas ou três namoradas minhas eram mulheres bastante esquisitas, devo dizer. Mas para outras namoradas, eu era o estranho da relação. Opa… talvez eu mesmo seja um alien e não saiba. A ignorância é uma benção, por certo. De qualquer maneira, suponho que seja melhor ficar no Brasil. Nos EUA eu seria seduzido, enganado ou caçado, na Europa eu seria abatido ou desprezado e na Rússia eu provavelmente nem seria notado (se fosse perseguido por um urso isso seria um problema).

Vocês devem ter notado que não falei aqui o que ocorreria se um disco voador pousasse na África, no Oriente Médio, na Ásia ou na Austrália. Suponho que os africanos provavelmente ficariam apavorados, pensando que os alienígenas são europeus. Nos países árabes ou em Israel, eles se tornariam vítimas colaterais de uma guerra permanente que só terminará quanto os americanos não puderem mais importar petróleo da região. Os australianos gostam de imitar os norte-americanos, mas eles provavelmente tratariam os alienígenas tão mal quanto trataram os aborígenes que tem a pele escura e uma grande imaginação cósmica. Na China e na Coréia, os viajantes espaciais seriam seres exóticos, misteriosos e possivelmente lucrativos. Mas no Japão eles poderiam ser considerados avatares do Buda compassivo.

Repelidos na África, mortos por nenhuma razão especifica no Oriente Médio, maltratados na Austrália, explorados na Coréia e na China e reverenciados no Japão, esses alienígenas ficariam surpresos ao encontrar seus colegas que pousaram na Europa, nos EUA, na Rússia ou no Brasil. Pode você imaginar essa reunião?

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Texto replicado : CGN

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