Em artigo, coordenador da Contee reflete sobre a necessidade de combater os processos de mercantilização e desnacionalização do ensino que afetam a educação básica
Por Gilson Reis
O artigo 205 da Constituição da República de 1988 determina que a “educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, sendo “direito de todos” e “dever do Estado” princípios fundamentais aqui.
Entretanto, o projeto neoliberal, orientador da expansão da educação superior no Brasil a partir da década de 1990, retirou da educação o caráter de direito e a colocou na condição de serviço não exclusivo do Estado, liberalizando o funcionamento de instituições privadas de caráter lucrativo.
O que se implementou no sistema educacional no Brasil a partir de então não foi a concessão pelo Estado de um direito ao setor privado, mas a permissão constitucional para que esse setor agisse como qualquer empresa, utilizando a educação para auferir lucros, sem exigência de padrão de qualidade e sem regulamentação legal e fiscalização por parte do Estado para garantir essa qualidade.
Combater esse processo de mercantilização, financeirização, oligopolização e desnacionalização do ensino, que, embora tenha começado no nível superior, há algum tempo começou a atingir também a educação básica, tem sido uma bandeira prioritária da Confederação Nacional de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee desde sua fundação, há quase 30 anos, e, mais fortemente, nos últimos 12 anos, com a campanha “Educação não é mercadoria”.
Em 2014, quando da sanção do Plano Nacional de Educação (PNE), essa luta materializou-se na conquista do Sistema Nacional de Educação (SNE), que deveria ter sido implementado até 2016.
Um de seus papéis seria o de articulador, normatizador, coordenador e regulamentador do ensino público e privado, sendo que as instituições privadas, por fazerem parte do SNE, subordinam-se ao conjunto de normas gerais de educação, como já determinado pela Constituição, e devem tanto se harmonizar com as políticas públicas quanto acatar a autorização e avaliação desenvolvidas pelo poder público, tendo sempre em vista a garantia da educação como direito, e não prestação de serviço — e, muito menos, venda de mercadoria.
O golpe de 2016 e todas as suas consequências, entre as quais a eleição de um projeto criptofascista como o de Jair Bolsonaro, atropelaram essas conquistas. Nesses últimos três anos, o Plano Nacional de Educação tem tido, uma a uma, suas diretrizes e metas não somente ignoradas, mas destroçadas.
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A Emenda Constitucional (EC) 95, ainda no governo Temer, ao congelar os investimentos públicos por dez anos, destruiu a progressiva ampliação da verba educacional até atingir 10% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, conforme previsto no PNE.
No fim de março deste ano, o Conselho Nacional de Educação (CNE), que já havia sido aparelhado pelos privatistas na administração de Michel Temer, deliberou que é incompetente para definir o valor financeiro e a precificação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) — o qual estabeleceria o investimento mínimo anual do país por estudante, nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio da rede pública, —, outro avanço que havia sido garantido no Plano Nacional e que acaba de ser desmontado.
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E agora, se a implementação do SNE e a inerente regulamentação da educação privada sob as mesmas exigências legais aplicadas à rede pública já deixaram de ser expectativa para se tornar sonho distante a partir do retorno de um modelo econômico ultraneoliberalizante ao poder, a nomeação de Abraham Weintraub para o Ministério da Educação é a definitiva e escancarada ascensão dos privatistas ao alto escalão do MEC, com acesso livre aos mais de R$ 100 bilhões de orçamento da pasta.
Ricardo Vélez Rodríguez deteve, até poucos dias atrás, o título de pessoa mais despreparada e desqualificada a comandar o Ministério; um acinte. Weintraub, porém, não fica atrás, e já deu mostras, com sua lista de nomeados, a maioria ligada diretamente ao sistema financeiro, na qual não há um educador sequer, que educação é a última de suas preocupações.
Olavista que é, com ele permanecem a guerra ideológica e a caça às bruxas nas escolas, com perseguição e criminalização de docentes para combater um suposto “marxismo cultural” que só existe em suas cabeças. Isso piora muito, entretanto, com o favorecimento ainda maior ao capital financeiro e aos inúmeros processos de privatização da educação.
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Se o setor privado nunca constituiu, de fato, como deveria, uma alternativa democrática e, pelo contrário, sempre competiu com a rede pública pelos recursos destinados à educação, agora ele passa a controlar esses recursos, diretamente, sem intermediários, fazendo, de uma vez só, com que as expressões “direito de todos” e “dever do Estado” possam se tornar logo, se não lutarmos contra isso, letra morta na Constituição.
O artigo 205 da Constituição da República de 1988 determina que a “educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, sendo “direito de todos” e “dever do Estado” princípios fundamentais aqui.
Entretanto, o projeto neoliberal, orientador da expansão da educação superior no Brasil a partir da década de 1990, retirou da educação o caráter de direito e a colocou na condição de serviço não exclusivo do Estado, liberalizando o funcionamento de instituições privadas de caráter lucrativo.
O que se implementou no sistema educacional no Brasil a partir de então não foi a concessão pelo Estado de um direito ao setor privado, mas a permissão constitucional para que esse setor agisse como qualquer empresa, utilizando a educação para auferir lucros, sem exigência de padrão de qualidade e sem regulamentação legal e fiscalização por parte do Estado para garantir essa qualidade.
Combater esse processo de mercantilização, financeirização, oligopolização e desnacionalização do ensino, que, embora tenha começado no nível superior, há algum tempo começou a atingir também a educação básica, tem sido uma bandeira prioritária da Confederação Nacional de Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee desde sua fundação, há quase 30 anos, e, mais fortemente, nos últimos 12 anos, com a campanha “Educação não é mercadoria”.
Em 2014, quando da sanção do Plano Nacional de Educação (PNE), essa luta materializou-se na conquista do Sistema Nacional de Educação (SNE), que deveria ter sido implementado até 2016.
Um de seus papéis seria o de articulador, normatizador, coordenador e regulamentador do ensino público e privado, sendo que as instituições privadas, por fazerem parte do SNE, subordinam-se ao conjunto de normas gerais de educação, como já determinado pela Constituição, e devem tanto se harmonizar com as políticas públicas quanto acatar a autorização e avaliação desenvolvidas pelo poder público, tendo sempre em vista a garantia da educação como direito, e não prestação de serviço — e, muito menos, venda de mercadoria.
O golpe de 2016 e todas as suas consequências, entre as quais a eleição de um projeto criptofascista como o de Jair Bolsonaro, atropelaram essas conquistas. Nesses últimos três anos, o Plano Nacional de Educação tem tido, uma a uma, suas diretrizes e metas não somente ignoradas, mas destroçadas.
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No fim de março deste ano, o Conselho Nacional de Educação (CNE), que já havia sido aparelhado pelos privatistas na administração de Michel Temer, deliberou que é incompetente para definir o valor financeiro e a precificação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) — o qual estabeleceria o investimento mínimo anual do país por estudante, nos níveis de ensino infantil, fundamental e médio da rede pública, —, outro avanço que havia sido garantido no Plano Nacional e que acaba de ser desmontado.
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E agora, se a implementação do SNE e a inerente regulamentação da educação privada sob as mesmas exigências legais aplicadas à rede pública já deixaram de ser expectativa para se tornar sonho distante a partir do retorno de um modelo econômico ultraneoliberalizante ao poder, a nomeação de Abraham Weintraub para o Ministério da Educação é a definitiva e escancarada ascensão dos privatistas ao alto escalão do MEC, com acesso livre aos mais de R$ 100 bilhões de orçamento da pasta.
Ricardo Vélez Rodríguez deteve, até poucos dias atrás, o título de pessoa mais despreparada e desqualificada a comandar o Ministério; um acinte. Weintraub, porém, não fica atrás, e já deu mostras, com sua lista de nomeados, a maioria ligada diretamente ao sistema financeiro, na qual não há um educador sequer, que educação é a última de suas preocupações.
Olavista que é, com ele permanecem a guerra ideológica e a caça às bruxas nas escolas, com perseguição e criminalização de docentes para combater um suposto “marxismo cultural” que só existe em suas cabeças. Isso piora muito, entretanto, com o favorecimento ainda maior ao capital financeiro e aos inúmeros processos de privatização da educação.
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Se o setor privado nunca constituiu, de fato, como deveria, uma alternativa democrática e, pelo contrário, sempre competiu com a rede pública pelos recursos destinados à educação, agora ele passa a controlar esses recursos, diretamente, sem intermediários, fazendo, de uma vez só, com que as expressões “direito de todos” e “dever do Estado” possam se tornar logo, se não lutarmos contra isso, letra morta na Constituição.
Gilson Reis é coordenador da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee
Texto original: CARTA EDUCAÇÃO
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