Najla Passos
Natal - Desde o início da última estiagem, ninguém mais passa sede na pequena chácara do agricultor Ismael Florence da Silva, 25 anos, na zona rural de Santo Antônio (RN), município de 22 mil habitantes, a 170 Km da capital Natal. Sua família foi uma das 750 mil beneficiadas pelo Programa Cisternas do governo federal, a vertente do Programa Brasil sem Miséria que visa universalizar o acesso à água para consumo humano no semiárido brasileiro até o final deste ano.
A mudança na qualidade de vida é significativa. “Quantas vezes tive que deixar os bebês dormindo, andar quilômetros em busca de água e voltar apenas com um balde de lama”, conta a mãe dele, Maria Lúcia Florence da Silva, 45 anos. “A qualidade da nossa comida hoje é outra. Podemos cozinhar feijão, arroz, macarrão. Temos sucos a vontade. Já houve época em que a gente recebia leite em pó na cesta básica do governo, mas não tinha como misturar para dar as crianças”, relata.
As perspectivas para o futuro são ainda melhores. Com a cisterna de placa, capaz de estocar 16 mil litros de água, Ismael deu início a uma pequena roça de hortaliças, que já permitiu aumentar a renda da família, que até então vivia apenas com o que recebia do Programa Bolsa Família. Esta semana, porém, passa a contar com a reserva de água adicional de uma cisterna de produção, de 56 mil litros, que, até o final de 2014, será implantada na casa de outras 120 mil famílias do semiárido.
“Pela primeira vez em gerações, minha família tem a esperança concreta de conseguir viver da terra aqui no sertão, plantando e criando pequenos animais”, comemora o pai dele, Noé Pereira da Silva, 46 anos, que, em secas anteriores, já se viu obrigado a migrar para Natal (RN), João Pessoa (PB) e Rio de Janeiro (RJ).
“Aqui, a vida sempre foi dura. Quando vinha a seca, nós passávamos sede, perdíamos a horta e os animais. Mas na cidade grande era ainda pior. Sem emprego, eu cheguei a passar três dias sem comer nada”, relata.
Ismael, como o pai, também migrou diversas vezes para grandes centros, onde trabalhou como pedreiro, faxineiro, balconista. Mas, sem formação, nunca conseguiu, de fato, garantir o sustento da família. Agora, é só planos para o futuro. “Finalmente, vou poder sobreviver da terra, que sempre foi meu grande sonho”, afirma. Junto com a água, veio o crédito, a extensão rural, as sementes, a perspectiva de aumentar a produção que hoje vende na feira local.
Ele também está prestes a realizar o grande sonho de se formar. Até o final do ano, concluirá o ensino médio, pelo Programa de Formação de Jovens e Adultos.
Os dois filhos, de 6 e 7 anos, cursam a escola regular, no 1º e 2º ano, respectivamente. “Se meus filhos tiverem que sair do sertão, será para se formarem médicos, advogados ou professores, e não para passar fome no sul”, aposta.
Política pública para quem precisa
O Programa Cisternas, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), visa atender famílias do semiárido em situação de pobreza extrema, identificadas pelo cadastro único de programas sociais do governo federal. Seu sucesso consiste principalmente no fato de que as cisternas não são uma tecnologia criada por burocratas, mas uma demanda social da própria população do semiárido, que a elegeu com a principal experiência positiva de convivência com a seca.
“Temos notícias de cisternas construídas por pioneiros que funcionam há mais de 50 anos. Por isso, esse é o tempo que estimamos que elas durem”, afirma Fernanda Cruz, coordenadora de Comunicação da Articulação do Semiárido (ASA), a organização da sociedade civil que, em 2003, propôs ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a implantação de um milhões de cisternas no sertão, a partir da adoção da tecnologia social como política pública, e hoje coordena o esforço de outras dezenas de entidades sociais que participam do projeto.
O ex-presidente, em oito anos de governo, conseguiu implantar 320 mil. Mas foi a presidenta Dilma Rousseff que transformou a prática em política pública prevista em lei, investiu mais recursos e ainda criou o programa que prevê também a instalação das 120 mil cisternas de produção. “O governo Dilma dobou as metas e, por isso, o programa se transformou em uma marca do governo dela”, explica Igor Arsky, do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
Segundo ele, além da participação decisiva das entidades da sociedade civil, o programa conta com a parceria de vários órgãos estatais, como do Banco Nacional de Desenvolvimento Social e Econômico (BNDES) e da Fundação Banco do Brasil (FBB). Só esta última, já instalou 77 mil cisternas de placas em 122 municípios de nove estados.
“O semiárido brasileiro é um dos mais chuvosos do mundo e cada cisterna de placas é capaz de armazenar 16 mil litros de água captados da água da chuva, o suficiente para resguardar as necessidades básicas de uma família de até 5 pessoas durante os oito meses de estiagem”, afirma o presidente da FBB, Caetano Minchillo. Segundo ele, cada unidade tem um custo de instalação de apenas R$ 2,5 mil, já que a construção é feita pela própria comunidade, a partir de capacitação promovida por entidades como a ASA.
Já as cisternas de produção, que a FBB passa a inaugurar nos próximos dias, comportam 52 mil litros, de água capitada da enxurrada e de calçadões. “Não é água para beber, mas para sustentar uma pequena horta ou a criação de pequenos animais. Com a cisterna de placas, a família já consegue agregar uma renda mensal de R$ 140. Com a de produção, nós vamos saber agora, a partir das primeiras inaugurações”, acrescenta o gerente-geral da Unidade de Desenvolvimento Sustentável do Banco do Brasil, Rodrigo Nogueira.
(*) A repórter Najla Passos viajou ao semiárido a convite da Fundação Banco do Brasil que, de 7 a 9 de maio, promoveu o 8º Encontro de Jornalistas – Nordeste, em Natal (RN).
Créditos da foto: Najla Passos
Texto original : CARTA MAIOR
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