por Intervozes — publicado 20/02/2018 13h00, última modificação 20/02/2018 19h51
Além de denúncias de veto às cenas de críticas ao governo na TV Brasil, crescem especulações sobre ausência da faixa presidencial em desfile das campeãs
Os manifestoches não apareceram na TV Brasil |
O País tem assistido desconfiado à intervenção federal proposta pelo governo de Michel Temer no estado do Rio de Janeiro, em decreto assinado na sexta-feira 16. Com ela, a segurança pública fluminense, que antes era responsabilidade estadual, fica submetida ao Exército. Ainda que o expediente de utilizar as Forças Armadas para a área já tivesse sido usado em governos anteriores, desde a redemocratização que o Brasil não passava poderes tão amplos exercidos por civis diretamente para os militares.
Além dessa intervenção na segurança pública – defendida por alguns setores civis, como o editorial do jornal O Globo do dia 17 de fevereiro, que pediu mais tempo para os militares exercerem seus amplos poderes (o decreto prevê intervenção até 31 de dezembro de 2018) – outro tipo de intervenção tem atingido diretamente a comunicação e a cultura brasileiras. Nesta terça-feira 20, o jornal traz em seu editorial “Intervenção é oportunidade para sanear instituições” novamente a defesa da presença militar no Estado.
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O mais recente episódio pode ter ocorrido na TV Brasil, durante a transmissão do Desfile das Campeãs do Rio de Janeiro, no sábado 17. Segundo fontes internas, a emissora, que faz parte da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), pode ter sofrido intervenção direta em seu conteúdo com a censura de imagens das alas da escola de samba Paraíso do Tuiuti, que mostravam críticas contundentes à reforma trabalhista realizada pelo governo de Michel Temer com o apoio do Congresso Nacional.
A emissora também não transmitiu a ala em que apareciam componentes da escola fantasiados com patos amarelos de plástico e camisas da seleção brasileira de futebol, crítica assinada pelo carnavalesco Jack Vasconcelos e direcionada aos manifestantes que pediram o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff.
À apresentadora da emissora coube apenas citar tais críticas, em outro momento da transmissão, sem que houvesse as imagens para ilustrar o que havia informado. Ainda não se sabe se a não exibição das cenas teria saído de ordem da Presidência da República, por meio da Secretaria de Comunicação Social (Secom) ou da diretoria da própria EBC, ou ainda, se teria ocorrido um movimento de autocensura dos próprios funcionários, com medo de que tal exibição provocasse represálias futuras.
Até falhas técnicas podem explicar a situação, uma vez que o sucateamento em voga na EBC tem recentemente impedido a gravação ao vivo de programas importantes na casa. Se for o caso, a combinação censura e/ou enxugamento da EBC são igualmente inaceitáveis.
Ala;Guerreiro da CLT, aparentemente censurada em transmissão da TV Brasil no sábado 17 |
Entre os que acompanham a programação da TV Brasil segue a suspeita de que a ausência das imagens foi consequência de censura. Os funcionários da empresa, por sua vez, pedem maior transparência quanto aos critérios utilizados na escolha da informação levada ao público durante a transmissão, visto que ações como esta interferem diretamente na qualidade do trabalho jornalístico desenvolvido pela emissora.
A TV Brasil é uma emissora pública que deveria ser independente e autônoma do governo federal. No entanto, desde o golpe de 2016 tem havido uma ofensiva do governo sobre esta autonomia e sobre seu caráter público. Várias ações de desmonte têm sido evidenciadas, além de denúncias de censura a participações e intervenção direta sobre o conteúdo.
Em 2017, durante o Carnaval, a empresa chegou a emitir comunicado interno para que os cinegrafistas “evitassem” a transmissão de temas políticos durante as festividades. O que todos comentavam nos bastidores é que a ordem objetivava encobrir as placas e os coros de “Fora Temer” que se propagavam por vários estados do país.
São diversos os episódios já citados, inclusive por este blog. Um deles diz respeito à ida de chefes às ilhas de edição para cortar críticas ao governo no principal telejornal da casa. Assim, não será surpresa ao conjunto dos trabalhadores da EBC que o corte das imagens que mostravam trabalhadores com carteiras de trabalho e os patos amarelos (“manifestoches”), apoiados pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), tenha sido orientado pelos quadros diretivos da empresa ou pelo Palácio.
Sem faixa presidencial
Ao que tudo indica uma das maiores manifestações culturais do País, o carnaval, pode também ter sofrido censura. Ainda não estão esclarecidos os motivos que teriam levado o historiador Léo Morais a desfilar pela vice-campeã Paraíso do Tuiuti, no último sábado, sem a faixa presidencial que marcou a apresentação da escola na semana anterior com o “vampiro neoliberal”, em clara alusão ao presidente Michel Temer.
Reportagem do próprio site de O Globo, publicada no domingo 18, diz que “segundo informações do barracão da escola, emissários da Presidência da República pediram à Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa) que impedisse a entrada do destaque”. Outras reportagens publicadas em jornais de grande circulação falam em sumiço da faixa logo após o desfile durante o carnaval. Sem uma explicação oficial plausível, as especulações sobre censura alimentam debates nas redes sociais.
Consentimento civil
Historiadores, cientistas políticos, sociólogos e diversos outros estudiosos fazem, há tempos, uma disputa conceitual sobre o termo ditadura militar no Brasil ao defenderem que a nomenclatura mais condizente com o que ocorreu no país é ditadura civil-militar, já que houve apoio de setores importantes da sociedade civil ao golpe de 1964.
À época da ditadura civil-militar houve, inclusive, escolas de samba que saíram à avenida em apoio ao regime. Muitos veículos de comunicação, entre os quais a TV Globo, também foram coniventes com a ditadura brasileira.
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No Brasil de 2018, sequer deu tempo de as escolas abordarem a mais recente intervenção no Rio de Janeiro, que terá como interventor nomeado o general do Exército Walter Braga Netto. E os meios de comunicação vêm optando por seguir à risca o texto constitucional para identificar o caso como “intervenção federal”, naturalizando a utilização das Forçar Armadas. E, como já afirmado anteriormente, O Globo, chegou a pedir mais tempo de intervenção no Rio de Janeiro.
Deixando de lado comparações com outros momentos da história, pelo menos por enquanto, o que se vê é um pacto entre militares e setores da sociedade civil para, sob o pretexto de salvaguardar a segurança pública do cidadão comum, impor um estado de vigilância e permanente controle da liberdade da população.
Quando este sintoma espraia sobre a comunicação e a cultura, como parece ter ocorrido durante este carnaval, tanto em relação a não exibição das imagens de fantasias que faziam críticas ao governo pela TV Brasil (na semana anterior a TV Globo mostrou VT do desfile sem emitir um comentário sequer) e pela possibilidade de censura à própria fantasia, com a possível proibição de uso da faixa presidencial, o que se confirma, na prática, é que de fato vivemos tempos sombrios.
Tempos, no entanto, que não vão calar a sociedade, que exige resposta o mais rápido possível: afinal, uma escola de samba e a TV pública foram ou não censuradas no carnaval de 2018? E, se as ordens de censuras partiram de Brasília, mais precisamente do “vampiro neoliberal”, cabe à parcela da sociedade civil que não consente com golpes, responder à altura.
Texto original: CARTA CAPITAL
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