domingo, 12 de novembro de 2017

A vingança do Capital contra o Trabalho



Por José Álvaro de Lima Cardoso, no site Outras Palavras:

As revoluções industriais são da própria natureza do capitalismo. O capital revoluciona o tempo todo os meios de produção e, assim, mudam também as relações sociais. Muda o jeito de produzir, mudam as relações sociais, mudam as ideias. A quarta revolução industrial, a exemplo das revoluções anteriores, coloca os meios técnicos e as forças produtivas num patamar muito superior, fornecendo as condições objetivas, do ponto de vista tecnológico, para a melhoria de vida das pessoas.


De um lado, portanto, o desenvolvimento das forças produtivas leva a avanços significativos nas tecnologias utilizadas e no processo de produção. Porém, as relações sociais de produção, baseada na propriedade privada e no lucro sem limites impossibilitam que tais avanços signifiquem benefícios para toda a sociedade. Talvez um dos principais efeitos dessa contradição seja o desemprego tecnológico, ou seja, aquele causado pela introdução de novas tecnologias. Mudanças tecnológicas implicam em elevação da produtividade que, muitas vezes, representa verdadeiros “saltos tecnológicos”. O uso de tecnologias mais eficientes permite produzir mais mercadorias em menos tempo de trabalho, ou seja, com menor quantidade de trabalho humano. O sistema produz assim uma elevação do desemprego, em decorrência do novo patamar tecnológico, criando uma força de trabalho excedente, que tende a crescer.

A substituição de trabalho humano por máquinas é decisão de cada grupo empresarial, que buscar reduzir permanentemente seus custos, o que lhe permite aumentar suas margens de lucros e/ou vender a preços mais baixos. O aumento da produtividade através da substituição de trabalho por máquinas gera uma “população excedente”, que é artificial, ou seja, é excedente em função das restrições impostas pelas relações sociais de produção. Então, as mesmas causas dos enormes ganhos de produtividade levam a existência de um grupo de trabalhadores sem espaço no mercado de trabalho. Quando muito, ocupando postos na economia informal, que paga menores salários, jornadas mais longas e tem condições de trabalho mais precárias.

O exército de desempregados e de trabalhadores na economia informal, são essenciais para a manutenção dos salários em baixos patamares. Até 2014, ocasião em que o Brasil, em algumas regiões, tinha uma situação praticamente de pleno emprego, ouvia-se dos prepostos patronais em mesas de negociação queixas de que não havia trabalhadores disponíveis para contratação, o que estaria “complicando” muito a gestão de pessoal. A mensagem podia ser entendida como: “é necessário que retorne o exército de reserva de desempregados, para impormos o nível salarial que queremos”.

Na mesma direção, o empresariado reclama recorrentemente da existência do salário mínimo, especialmente quando ele aumenta acima da inflação, como ocorreu no período entre 2004 e 2015. O salário mínimo funciona como impeditivo legal às possibilidades de achatamento salarial trazidas pelas flutuações do mercado e pelo exército industrial de reserva. Ligado ao mesmo fenômeno, na primeira grande onda neoliberal no Brasil, na década de 1990, na gestão FHC, nas mesas de negociação os patrões tentavam insistentemente eliminar os pisos das convenções coletivas de trabalho. Em Santa Catarina, algumas categorias chegaram a assinar à época convenções sem a existência de piso salarial, ou seja, o piso da categoria passava a ser o salário mínimo nacional do pais (cujo poder de compra, aliás, era baixíssimo).

O problema não é a tecnologia, em si, mas a expansão da tecnologia dentro de relações capitalistas, que conduzem ao desemprego tecnológico. A necessidade de manter as margens de lucratividade impedem (ou pelo menos constrangem) que os benefícios advindos das novas tecnologias sejam plenamente distribuídos para a sociedade como um todo. Por exemplo, se um salto tecnológico da quarta revolução industrial gera um excedente de trabalhadores em função dos ganhos de produtividade, isso pode representar uma redução da jornada de trabalho para toda a classe trabalhadora, o que evitaria o crescimento do desemprego, ao mesmo tempo em que possibilitaria a todos um ganho de tempo, para dedicar às demais esferas da vida (convivência com a família, cuidados com a saúde, prática de esportes, estudos, etc.)

Numa situação de desemprego elevado, aumenta o medo daqueles que conseguem se manter no emprego. Ao assistir os companheiros perderem seus empregos, o trabalhador tende a se submeter a piores condições de trabalho e a aceitar salários mais baixos. O risco para a classe trabalhadora é duplo: ou sofre as agruras do desemprego ou padece o aumento da exploração para manter os postos de trabalho. É muito comum na nossa sociedade a convivência entre o desemprego crescente e um número grande de pessoas trabalhando muito, com jornada de 50 ou 60 horas semanais, em um ou mais de um emprego. O trabalhador que, num processo de crise, fica alguns meses desempregado, sem o amparo de políticas públicas e/ou do sindicato, tende a posteriormente se submeter a piores condições de trabalho e salário. O trabalhador fica mais “dócil”, afinal qualquer coisa é melhor do que passar fome.

Neste quadro, é certo que alguns torcem para que aumente o desemprego, apesar de todo o sofrimento humano e do prejuízo social e econômico, decorrentes. É que o aumento do desemprego possibilita elevar a taxa de exploração para os trabalhadores que mantém o vínculo, ampliando assim a lucratividade das empresas. Como desgraça pouca é bobagem, a contrarreforma trabalhista, que entra em vigor em poucos dias, é uma espécie de vingança do capital contra os avanços que a duríssimas penas os trabalhadores conseguiram ao longo de séculos. O princípio da prevalência do negociado sobre o legislado, em relação a diversos aspectos das relações de trabalho, em meio à maior recessão da história, significa na prática, a autorização para retirar direitos e elevar os níveis de exploração dos trabalhadores.

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