Por Renata Mielli, no site Mídia Ninja:
A verdade é que a gente usa a internet e não pensa muito nessas coisas.
Queremos que ela seja cada vez mais ágil, que tenha mais funcionalidades, mas não discutimos nem acompanhamos o debate sobre os seus rumos, sobre as decisões que as pessoas que pensam nisso 24 horas por dia tomam. E eu posso afirmar, uma grande parte das pessoas que pensam nisso e tem poder político e econômico para decidir os rumos da internet não toma as decisões pensando no interesse público.
Está em curso um movimento mundial e nacional para deixar essas decisões, quase que exclusivamente, na mão desses grupos.
E quem são eles? Empresas de Telecomunicações (Vivo, AT&T, Claro), empresas de tecnologia e gigantes da internet como Google, Facebook e Amazon, para citar três dos maiores. Além dos governos, que podem ser de todo tipo: democráticos, autoritários, golpistas… A sociedade que usa a internet e sofre com os impactos dessas decisões está sendo escanteada.
No Brasil, o órgão responsável para fazer a governança da internet foi criado em 1995 – isso mesmo, no governo FHC – e se chama Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br.
E o modelo escolhido, depois aperfeiçoado em 2003 – no governo Lula – foi o que incorpora quatro segmentos interessados no assunto: o setor empresarial, o setor governamental, o setor acadêmico, e o terceiro setor. Esse modelo é chamado de multissetorial, porque inclui de forma equilibrada a presença do setor econômico, do Estado, as universidades e academias, e a sociedade civil que é usuária da internet.
Mas como o golpe em curso no Brasil vai sendo aprofundado à galope, o setor empresarial – que tem profundos interesses econômicos – com a ajuda do governo golpista, lesa pátria e venal, está tirando as manguinhas de fora e tentando alterar o modelo do CGI para que eles sejam maioria e tenham o controle sobre as decisões tomadas. Querem fazer do CGI.br uma Anatel da vida – um espaço capturado pelos interesses econômicos. Para saber mais, leia a nota de repúdio contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil.
As Teles e o setor privado tem sido contrariados nos últimos anos pelas decisões tomadas no CGI.br, que se pauta pelo interesse público justamente pela sua composição multissetorial, e por leis como o Marco Civil da Internet, que impôs limites aos modelos de negócios predatórios que afetam a neutralidade da rede e tantas outras coisas que fazem da internet – ainda – um espaço aberto, livre, que não discrimina conteúdos na camada de infraestrutura, que protege a liberdade de expressão e o direito dos usuários na rede.
Se ainda há metade da população brasileira desconectada por falta de acesso à infraestrutura de telecomunicações que as permita utilizar a internet, se nos outros 50% conectados a maior parte tem uma conexão precária, geralmente pelo celular, com valores abusivos e franquias de dados totalmente limitantes para um uso integral da internet, caso a ofensiva do governo e das empresas sobre o CGI.br vingue, é bem provável que em pouco tempo a internet no Brasil seja muito diferente do que é hoje, ainda mais excludente, segmentada e para poucos.
E, num mundo cada vez mais dependente da internet, os excluídos serão cidadãos de segunda, terceira categoria.
Porque a gente não fala disso?
Se a internet é tão fundamental para a sociedade, se ela media praticamente todas as relações econômicas, sociais, culturais, se ela se torna cada vez mais indispensável para a vida, então porque a gente não debate essas coisas?
Primeiro porque nós, os mortais, estamos acostumados a fazer uso das tecnologias e ferramentas e ponto final. Desde que funcionem o resto não é da nossa conta. Essa é uma postura cultural, mas que precisamos começar a mudar, porque no mundo digital, no mundo da Internet das Coisas e da Inteligência Artificial sua vida offline será cada vez mais afetada por essas decisões.
Segundo porque é difícil para *!#@[**! E como todo assunto que tem uma dimensão técnica – e esse tem demais –quem já está tomando as decisões faz questão de complicar para afastar as pessoas do debate. E isso funciona. Quem é que consegue discutir arquitetura da informação, TCP-IP, IPV6, ccTLD’s, gTLD’s, DNS, peer to peer, PTT, criptografia, neutralidade de rede, interoperalidade, deep web, clock chain, bitcoin? Isso tudo é um amontoado de siglas e termos que não fazem sentido para a esmagadora maioria das pessoas, afinal, são só tecnicismos.
Mas, não são. E as decisões sobre essas coisas não são técnicas, apenas, elas são sobretudo políticas. E é aí que o bicho pega.
Vamos tentar falar sobre essas coisas incríveis de uma maneira menos complexa e ir, aos poucos, entendendo como a decisão de um nome de domínio afeta a soberania de um país e o interesse público.
Porque é necessário manter o caráter aberto e descentralizado da rede mundial de computadores.
Porque é imprescindível discutir privacidade e proteção de dados num mundo em que não só as pessoas, mas as coisas (carros, geladeiras, aviões, casas, até privadas) estão e estarão cada vez mais interconectadas.
E porque é fundamental acompanhar e pressionar para impedir as tentativas de mudar o modelo multissetorial do CGI.br. Sobre isso, convido você a acessar a página da Coalizão Direitos na Rede que tem acompanhado e se posicionado sobre esse assunto, e também a participar do Fórum da Internet no Brasil, evento promovido pelo CGI.br que discute vários destes assuntos e é aberto a todos.
Texto replicado: BLOG DO MIRO
Penso na possibilidade da "democracia direta", ideal grego que foi esquecido por conta do aumento da população que criou a "democracia representativa". A tecnologia da informação possibilita a democracia direta. O cidadão vota usando seu smartphone. Mas para isso não pode haver "exclusão digital".
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