A redução do desemprego depende da retomada da atividade mais geral da economia. E políticas públicas como o auxílio desemprego devem ser fortalecidos.
Paulo Kliass *
O IBGE acaba de divulgar as informações mais recentes a respeito do desemprego em nosso País. No dia 30 de agosto a fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento tornou público o resultado da Pesquisa PNAD Contínua com dados do último trimestre.
A taxa oficial medida pelo IBGE para o período maio/junho/julho registra uma taxa de desocupação média nacional de 11,6%. Trata-se do mais elevado índice desde que uma nova metodologia foi incorporada no levantamento dos dados, em substituição à anterior Pesquisa Mensal do Emprego (PME). Esse número frio ganha mais significado quando se sabe que ele corresponde a um contingente de 11,8 milhões de pessoas que não estão com nenhuma fonte de remuneração associada a trabalho. Caso multipliquemos o número pelos dependentes familiares, teremos a noção mais aproximada do drama social em que o Brasil está mergulhando a cada dia que passa.
Como é sabido, esse quadro guarda uma relação íntima com a conjuntura da economia que atravessamos e com as opções de política econômica que foram adotadas pelos governos ao longo dos últimos tempos. Há exatos dois atrás, por exemplo, a taxa estava situada no patamar de 6,9%. Isso significa que, ao longo dos últimos 24 meses, assistimos a um impressionante aumento de 70% na taxa de desemprego. Ou seja, houve uma elevação de 5 milhões de pessoas no contingente dos que perderam empregos e permanecem sem recuperá-lo. Enquanto os grupos da base da pirâmide sofrem os efeitos perversos da crise, o topo se apropria com os ganhos da esfera do financeiro.
Aumento do desemprego só piora a crise.
No entanto, é importante ressaltar que o desemprego não é uma inevitabilidade histórica ou um castigo divino que cai sobre as cabeças dos trabalhadores e do povo. A forma de organização e a lógica de funcionamento da sociedade capitalista pressupõe um determinado tipo de “contrato” a ser celebrado entre o capital e a força de trabalho. Dentre os múltiplos aspectos dessa complexa dinâmica de relações, paira sobre os assalariados o espectro do chamado “exército industrial de reserva”. Assim, a simples existência de uma parcela do universo de trabalhadores em condição potencial de adentrar o desemprego operaria como chantagem para reduzir a capacidade de negociação de salários e condições de trabalho de forma mais ampla.
Essa tendência faz com que a taxa de ocupação se localize entre as bandas de um limite inferior e outro superior. No primeiro caso, trata-se de situações de economia aquecida, com alto índice de atividade e muita demanda por força de trabalho - o desemprego é baixo. Já o limite superior tem sua flexibilidade dada pela maior ou menor gravidade da crise econômica, com maior ou menor nível de recessão. Frente à redução da demanda por seus produtos, as empresas reduzem sua capacidade produtiva e provocam demissões de seus assalariados. Trata-se da conhecida lógica de redução de despesas frente à diminuição das receitas sob a ótica empresarial.
Ocorre que, mesmo para a lógica do capital, a imersão em tal quadro recessivo termina por comprometer a própria capacidade de geração de excedente. As empresas entram em situação falimentar, as relações entre elas passa a contar com alto grau de incerteza e uma parte do estoque de capital é destruído. Essa é um das razões, inclusive, para justificar a entrada em cena do Estado, com suas políticas públicas para facilitar a busca de saídas e minimizar as perdas do próprio sistema econômico dominante.
Políticas públicas para antecipar a saída da recessão.
O aprofundamento da crise econômica iniciada em 2008/9 ofereceu ao mundo um sem número de exemplos de medidas de apoio ao capital que passaram a ser adotadas pelas diferentes administrações estatais, inclusive em países que se orgulhavam de sua forte tradição “liberal”. E assim foi a multiplicação dos fundos públicos para salvar grandes conglomerados próximos à falência, a utilização de recursos orçamentários para liquidar as dívidas do sistema financeiro, a ampliação de desonerações tributárias para estimular a retomada do nível de atividades, a concessão de subsídios de toda a ordem para que a demanda agregada fosse garantida.
Do outro lado, na ponta dos trabalhadores, lança-se mão da política pública de auxílio desemprego para minorar os efeitos sociais da perda do posto de trabalho e também para evitar que haja uma redução muito acentuada na capacidade de compra do rendimento das classes assalariadas. Trata-se de uma opção de política keynesiana clássica, uma condição essencial para permitir a superação mais rápida da adversidade associada ao quadro recessivo. O Estado gasta em nome do conjunto da sociedade para evitar o mergulhe na crise mais grave e tal decisão será recompensada pela arrecadação tributária no futuro, em momentos de retomada da atividade econômica.
Esse é o quadro simples de uma política econômica chamada de anticíclica, pois atua na contra-tendência daquilo que seria a dinâmica do capital deixar-se recuperar apenas pela lógica das forças de oferta e demanda. A retração aprofunda ainda mais a retração e o tempo de retomada lá na frente pode ser muito longo e com elevadíssimo impacto social associado à depressão.
Ocorre que a coisa opera de forma bastante distinta nesse conhecido território dominado pela lógica dos economistas liberais de matriz tupiniquim. Aqui os defensores do financismo não se envergonham de afirmar, em alto e bom tom, que a solução para a crise passa pela retração das atividades da economia e pelo aumento do desemprego. E ponto final. Como eles se apegam a ferro e fogo ao dogma neoliberal, a seu ver a solução de mercado deve mesmo envolver a punição por meio da quebradeira generalizada (como na lei da selva, apenas as empresas mais eficientes sobreviveriam) e a redução do emprego é uma variável desejada para diminuir a pressão da demanda sobre a oferta. Uma loucura!
Auxílio desemprego deve ser fortalecido e não reduzido.
O raciocínio se completa em sua dramaticidade com a introdução do tema das finanças públicas e da necessidade da austeridade fiscal. Como a lógica é buscar a geração de superávit primário a todo custo, o mote é reduzir as despesas orçamentárias de natureza social e assegurar recursos para o pagamento das despesas de natureza financeira. Leia-se, o cumprimento das obrigações com os juros e serviços da dívida pública. Com isso, os cortes no orçamento orientam-se para gastos considerados “ineficientes” e “supérfluos”. E aqui as políticas de abono salarial e salário desemprego entram na mira.
O aprofundamento de nosso quadro recessivo está a exigir políticas públicas que vão exatamente na contramão daquilo que vem sendo implementado nos últimos tempos. Como o futuro do equilíbrio das contas do governo depende essencialmente da capacidade de arrecadação de tributos, esse caminho pressupõe a retomada do crescimento. E o Estado é o grande indutor dessa recuperação. Para além das óbvias e urgentes justificativas de natureza social, o momento exige uma inversão na lógica de cortes de despesas sociais.
A redução do desemprego depende da retomada da atividade mais geral da economia. E instrumentos de políticas públicas como o auxílio desemprego devem ser fortalecidos em conjunturas como a atual. O momento exige o posto do que está sendo proposto e praticado pelo governo interino.
* Paulo Kliass é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.
Texto original: CARTA MAIOR
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