sábado, 27 de agosto de 2016

A fábula do antiquado pato amarelo

O setor que capitaneia a campanha do pato amarelo artificial é beneficiário de uma infinidade de incentivos e isenções.


Leomar Daroncho

Uma criativa campanha de marketing da Frente Nacional contra o Aumento de Impostos pôs um simpático patinho amarelo a surfar na onda das recentes manifestações de ruas do Brasil. O movimento, liderado pelo setor industrial de São Paulo, propôs-se a colher assinaturas contra o aumento da carga tributária no país com o slogan "Não Vou Pagar o Pato”. Assim, com amplo apelo publicitário, caiu nas graças de muitos que se deslocavam entre os manifestantes defensores do impeachment. As crianças adoraram!


O gosto pelas fábulas é tão antigo quanto seu uso para transmitir ideias sob a forma de narrativas que terminam com mensagens morais.

Atribui-se o desenvolvimento do gênero, a partir de criações orientais, ao grego Esopo, que, no século VI a.C., teria o dom da palavra. Contava histórias curtas. Normalmente atribuía pensamentos, ações e características humanas a animais. Suas narrativas foram reproduzidas em infindáveis citações de célebres pensadores como Heródoto e Platão. O formato inspirou La Fontaine (A Lebre e a Tartaruga, O Leão e o Rato e A Raposa e a Uva).

Algumas das qualidades ou condições atribuídas aos animais foram reelaboradas e passaram a corresponder a ideias sobre determinadas situações. Nas narrativas com fundo didático, cada animal simboliza algum aspecto ou qualidade do homem. O leão representaria a força. A tartaruga, a lentidão. 


A formiga, o trabalho. A lebre, a agilidade.

São representações que fazem parte das variações da língua. Espelham aspectos e nuances que retratam realidades culturais de determinadas regiões e épocas. Algumas podem se perpetuar por gerações, por vezes, desprendendo-se da restrita concepção inicial. 
A frase "pagar o pato" pode ser considerada uma expressão idiomática. Antiga, é empregada no sentido figurado. Remete à ideia de um comportamento de tolo. De alguém que responde ou paga pelo que não deve. 

Passada a fase aguda do movimento que culminou, no plano institucional, com o afastamento, temporário, da chefe do Poder Executivo, os representantes do setor empresarial apressaram-se em apresentar reivindicações ao Governo provisório. Cobram o prêmio pelas deambulações do pato amarelo.

No que diz respeito às relações de trabalho, o antagonismo em relação aos supostos direitos, “exagerados”, dos trabalhadores retoma, com um discurso modernizante, a pauta dos setores empresariais mais atrasados. Pauta esta que esteve presente nas discussões da CLT, na década de 1940. A disputa está retratada desde a Exposição de Motivos da CLT.

Na mesma época (Filadélfia, 1944), a Organização Internacional do Trabalho – OIT já debatia e afirmava a preocupação das nações com o desenvolvimento de um regime de trabalho “realmente humano”. 

A partir do reconhecimento de que existem condições de trabalho que implicam miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia, a OIT seguiu firmando compromissos que ampliam a proteção trabalhista. Sempre pautada pela consideração de que é urgente melhorar as condições de vida dos trabalhadores.

O setor que capitaneia a campanha do pato amarelo artificial é beneficiário de uma infinidade de incentivos e isenções. Conta com generosos financiamentos de um banco público – BNDES - que apoia empreendedores e seus negócios. A justificação para as benesses oficiais está no propósito de incrementar o “potencial de geração de empregos, renda e de inclusão social para o País”. Mesmo assim, não há constrangimento na aberta defesa de uma pauta precarizante.


Moral da história: se há uma conta, que os trabalhadores paguem. Procurem outro pato!

E o pato de borracha? Ao virar celebridade, envolveu-se em polêmicas. Admirado por uns. Criticado por outros. Foi esfaqueado. Acusado de ser plágio da obra de um artista holandês. Para completar, um de seus patrocinadores foi envolvido numa denúncia de sonegação bilionária de impostos.

Importante lembrar que, em sentido figurado, a palavra fábula também significa mentira ou farsa. 

Nesse universo, a astúcia é representada pela raposa.

Leomar Daroncho é Procurador do Trabalho

Texto original: CARTA MAIOR

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