quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

COP21 - A última chance de salvar o planeta

A indústria do petróleo, que não tem interesse em um acordo restritivo e punitivo, passou da negação do aquecimento global às pressões sobre legisladores.

Leneide Duarte-Plon, de Paris*



Se dependesse das grandes companhias petrolíferas não somente não se falaria de aquecimento global mas a 21a Conferência da ONU pelo Clima-COP21 não chegaria ao resultado esperado por cientistas e ecologistas. A conferência se realiza no fim do ano que viu todos os recordes de temperatura serem batidos e o nível de concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera atingir um nível inédito.

O lobby do petróleo tenta agir como fez a indústria do tabaco, que durante anos ocultou os efeitos nocivos do cigarro para a saúde. O problema é que, como se sabe, os danos do aquecimento global não são apenas sobre a saúde humana. A própria vida no planeta está ameaçada se não mudarmos de modelo energético.

A indústria do petróleo e do gás não tem interesse em um acordo restritivo e punitivo. As companhias de petróleo passaram da negação pura e simples do aquecimento global às pressões sobre os legisladores em diversas instâncias mundiais.

Nos Estados Unidos, principal poluidor do planeta per capita, a indústria petrolífera gastou, em 2014, 141 milhões de dólares em lobby, segundo a ONG Center for Responsive Politics, que só leva em conta as despesas realizadas em nível federal. Num relatório da companhia americana Chevron, o aquecimento global é visto até como algo positivo “pois vai permitir a exploração do petróleo no Ártico com custos de 25% a 50% mais baixos”. Entenda-se: o degelo acelerado tem suas vantagens para a Chevron, o resto do mundo que exploda.

O carvão, o petróleo e o gás asseguram hoje 80% da produção mundial de energia primária e são responsáveis por 80% das emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa. Passar a energias limpas e renováveis é o grande desafio do século.

Sapatos do papa

A Conferência transformou o cotidiano da capital francesa. Milhares de policiais patrulham juntamente com militares para garantir a proteção dos 150 chefes de Estado, 3 mil jornalistas e milhares de participantes vindos de 195 países. O risco de novos ataques terroristas não pode ser afastado.

Na abertura da Conferência, cada um dos 150 chefes de Estado ou de governo presentes ao Le Bourget teve três minutos de fala. Citando o poeta Victor Hugo, o presidente chinês, Xi Jinping clamou: « Diante de situações extremas é preciso encontrar soluções extremas ». Maior poluidor do planeta em termos absolutos, a China é responsável por 23,2% dos gases que provocam o efeito estufa. Os telejornais mostraram que naquele mesmo dia, em Pequim, o ar era irrespirável e a poluição formava uma névoa pesada.

Evo Morales afirmou de forma contundente: “Se continuarmos no modelo capitalista atual, a humanidade está condenada a desaparecer”. O anfitrião François Hollande ousou uma alusão às futuras guerras pela água, recurso natural ameaçado com o avanço das temperaturas: “O aquecimento global traz os conflitos como a nuvem traz a tempestade”. Ele acrescentou que os bons sentimentos e as declarações de intenção não serão suficientes. O ministro das relações exteriores Laurent Fabius, que preside a reunião de Paris, foi categórico: “As gerações futuras julgarão nossas ações”.

A presidente Dilma Rousseff denunciou em seu discurso “a ação irresponsável de uma empresa que provocou recentemente o maior desastre ambiental da história do Brasil na grande bacia hidrográfica do rio Doce”. Ela defendeu um documento final sobre o clima de cumprimento obrigatório, com revisão a cada cinco anos.

Na IVa Cúpula da Terra, em Johannesburgo, em 2002, o presidente Jacques Chirac pronunciou um discurso que até hoje é citado. « Nossa casa está pegando fogo e nós estamos olhando para outro lado », disse para denunciar a indiferença das grandes potências quanto à urgência das transformações climáticas.

O papa mais ecologista da história da Igreja - que não por acaso escolheu o nome de Francisco para homenagear o poverello de Assis - não pôde vir a Paris para a marcha pelo clima mas, da África onde se encontrava, mandou seus sapatos.

Impedidos de marchar, devido ao estado de emergência imposto depois dos atentados, os parisienses levaram seus sapatos a endereços divulgados previamente por uma ONG. Mais de 15 mil pares foram expostos na Place de la République toda a manhã de domingo, 29 de novembro, véspera da abertura da COP-21. O papa enviou seu par pelo cardeal brasileiro Cláudio Hummes. As atrizes Vanessa Paradis e Marion Cotillard, também mandaram os seus. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon e milhares de franceses anônimos atapetaram a praça com seus sapatos.

Os militantes formaram uma cadeia humana para ligar a Place de la République até a Place de la Nation. O dispositivo policial era impressionante. Além de zelar pelos manifestantes, os policiais cobriam o Boulevard Voltaire para proteger os chefes de Estado que iam e vinham a caminho do Bataclan.

Altar laico

Durante todo o dia de domingo, diversos chefes de Estado foram se recolher diante do Bataclan, onde morreu a maior parte dos 130 assassinados nos atentados da fatídica sexta-feira, 13 de novembro, no pior atentado terrorista que a capital já viu.

Vindo diretamente do aeroporto, Obama, acompanhado de François Hollande, foi depositar uma rosa no local que se tornou um verdadeiro altar laico, ponto de peregrinação de parisienses e visitantes.

No meio da tarde de domingo, manifestantes anarquistas e Black Blocks fizeram uma aparição relâmpago na Place de la République. Foram reprimidos pela polícia mas responderam aos jatos de água e bombas de gás lacrimogêneo jogando as velas e objetos que homenageiam os mortos no atentado e até hoje estão em torno da estátua que representa a república. Mais de uma centena de pessoas foram detidas.

Apesar de limitada em seus movimentos e manifestações de rua, a sociedade civil não vai ficar fora do encontro que termina dia 11 de dezembro. Haverá 227 encontros e 187 debates e colóquios à margem dos trabalhos da COP21, além de 65 projetos culturais.

Todos os países do mundo têm agora na COP21 a oportunidade de frear o ritmo do aquecimento global, que se ultrapassar 2°C em relação à temperatura do início da era industrial pode ser fatal para a vida no planeta azul.

* Leneide Duarte-Plon é jornalista, trabalha em Paris e é co-autora, com Clarisse Meireles, da biografia de frei Tito de Alencar, Um homem torturado-Nos passos de frei Tito de Alencar.

Texto original: CARTA MAIOR

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