Léa Maria Aarão Reis*
Há quinze anos a então jovem jornalista e escritora canadense Naomi Klein, de 30 anos, lançou um livro, Sem Logo – A tirania das marcas em um planeta vendido, que logo se transformou em manifesto do movimento ambientalista e pela antiglobalização. Dois anos depois ela publicou Cercas e Janelas, outro sucesso em toda parte, quando já escrevia para a mídia internacional, para a conceituada revista The Nation e para o inglês The Guardian.
Nesta época, Naomi se tornara uma das principais ativistas críticas do modelo econômico neoliberal, causa do empobrecimento das populações, o padrão perverso que enriquece cada vez mais uma pequena parcela de grupos de capitalistas inescrupulosos e que reprime, com violência, ao redor do mundo, com as forças policiais dos seus governos, os protestos de movimentos populares organizados que ousam confrontar políticas oportunistas que avançam, originadas da ambição sem medidas, desastres naturais, guerras e outros choques culturais.
Sobre a violência da repressão aos que não concordam com o paradigma, Klein lembra, em suas análises, do Chile do Pinochet, do Brasil da ditadura civil-militar, da Argentina das ditaduras militares e da China das repressões depois dos protestos da Praça da Paz Celestial. A Doutrina do Choque: a Ascensão do Capitalismo de Desastre foi esse outro título lançado com grande sucesso, em 2007.
Agora, o filme Isso muda tudo (This changes everything/ 2015), dirigido por seu marido, Avi Lewis, é a adaptação de um dos mais recentes livros da escritora canadense, best seller planetário com o mesmo título do documentário. Ele desembarca no Festival do Rio no rastro do seu sucesso em diversos países. Foi realizado durante quatro anos e filmado nos cinco continentes. Desafia e provoca o espectador a repensar as mudanças climáticas. Diz Naomi: “Podemos aproveitar a crise das mudanças climáticas para transformar o nosso sistema econômico fracassado em algo radicalmente melhor.”
Narradora, é a própria Naomi Klein quem conduz o espectador na apresentação de algumas situações dramáticas de comunidades que se encontram expostas, nas linhas da frente, em regiões que sofrem com alterações climáticas, e lutam para reverter a impressionante destruição que as empresas de conglomerados transnacionais promovem no ambiente, com o estímulo e a benção de governos que administram países como se eles fossem empresas privadas – suas e dos amigos, é claro.
Seus personagens são os índios cheyenne da bacia hidrográfica do rio Powder, no estado de Montana, nos Estados Unidos; os que vivem, desde tempos ancestrais, próximos das areias betuminosas de Alberta, no Canadá – e hoje precisam de passe (que o estado não lhes fornece) para entrar em territórios sagrados, cemitérios e vastas áreas que sempre foram de sua propriedade -; gregos das ilhas, alemães e moradores da costa sul da Índia e da cidade de Pequim.
Não se percebe a hora e meia de duração do filme mostrando assunto afinal nem tão ameno - a relação do carbono existente no ar que é colocado lá pelo próprio sistema econômico vigente; a intoxicação do ser humano causada pelo dinheiro (e pela ganância desmedida); a exploração enfurecida e irresponsável de óleo, de xisto, carvão ao redor do planeta. O ritmo dinâmico, mas preciso da montagem, não o do tic-tac dos vídeos clipes alucinados, prende o espectador do começo ao fim.
No estado de Montana, uma das chamadas “áreas de sacrifício” (cada vez elas são maiores), nomeadas assim por Barack Obama em um discurso mostrado no filme, no qual o presidente dos EUA quer dizer que há regiões, no mundo, que precisam ser devastadas em nome do... progresso (!) Lá, a Shell destrói as chamadas florestas dorsais. “Podemos fazer tudo,” diz um personagem, “em terras como essas, quase sem habitantes.”
Com certeza. Vizinho, “sem habitantes” está situado o fabuloso parque de Yellowstone.
A cidadezinha de Fort McMurray, em Montana, hoje, é conhecida como Fort McMoney: a rapaziada chega, permanece algum tempo trabalhando na rapina da terra, reúne seu milhão de dólares e volta para casa deixando para trás a região exaurida e arruinada.
Na província de Alberta, orgulho do governo canadense que se gaba de ser ela uma das maiores economias do país, o ‘progresso’ é resultado da incessante extração de gás e óleo que contaminam fazendas antes paradisíacas. Alberta é a terceira maior reserva mundial e petróleo do mundo. Pode-se imaginar (e assistir, no filme) o massacre da plácida região.
Obama também se envaidece – vê-se em Isso muda tudo, num discurso de três anos atrás - dos 23 estados americanos que trabalham, freneticamente, em oleodutos, perfurações e congêneres.
Na Grécia, escavam-se áreas lindíssimas, montanhosas, para explorar ouro e perfura-se o Mar Egeu. “Para pagarmos os nossos credores...” diz uma ativista. No Sul da Índia, na cidade de Sompeta, em Andhra Pradesh, as comunidades locais conseguiram bloquear a construção de novas usinas. E na China, Pequim, sufocada pelo crescimento, há “uma máquina devoradora”, comenta Naomi. Em 2013, apenas em 175 dias do ano as crianças puderam sair de dentro de casa. O número cresceu para 220 dias/ano logo depois.
Hoje, depois de muitos protestos e da pressão das ruas lideradas por movimentos ambientalistas bem organizados, algumas ações de estado, bem mais efetivas que as americanas, criaram importantes sistemas de aquecimento solar que fornecem água e energia aos moradores de 90 por cento de gigantescos edifícios residenciais. “Nosso objetivo,” diz a líder de uma dessas organizações, “é cuidar da Terra e cuidarmos uns dos outros.”
No entanto, vê-se, em uma reunião internacional dos céticos (por conveniência) do Hearthland Institute, EUA, um dos ninhos dos think tank do mercado desregulado, um dos membros reclamando: ”A China é uma ameaça à vida na Terra.” Para ele, a crise climática é “um cavalo de Troia do marxismo vermelho...”
Na Alemanha, onde os verdes são uma força efetiva e combativa, trinta por cento da energia já vem de fontes renováveis.
Estas histórias das lutas de ação direta desembocam na ideia central do filme – e do livro: podemos aproveitar a crise das alterações climáticas para transformar o sistema econômico num outro, radicalmente melhor. Para chegar lá, segundo Klein, os protestos populares precisam continuar cada vez mais fortes, frequentes e corajosos. O objetivo é fazer pressão para proporcionar mais igualdade, mais empregos e menos “zonas de sacrifício.”
O alerta de Naomi Klein é este: o aquecimento global pode ser a última chance que temos de mudar de modelo econômico para a espécie humana sobreviver.
Texto original: CARTA MAIOR
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