Agência Internacional de Pesquisa em Câncer classificou o herbicida Glifosato e os inseticidas Malationa e Diazinona como prováveis agentes carcinogênicos.
Najar Tubino
Antigamente a indústria fabricava venenos para a agricultura industrializada e outras empresas produziam sementes híbridas. Há 20 anos este negócio foi profundamente alterado. As plantas se transformaram em veneno e a indústria química virou produtora de semente. Um negócio internacional, que hoje em dia está sendo implantado com o apoio da Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA, a famosa USAID – atuando principalmente na África e na Ásia. O Brasil, além de ser um “fértil mercado de agrotóxicos”, como definiu a Agência Reuters recentemente, é o segundo maior mercado das sementes transgênicas. As últimas duas notícias da CTNBio foram: a liberação do milho transgênico contendo o veneno 2,4-D, também conhecido por ser a porção do bem do Agente Laranja. A Dow Agrosciences fabrica o produto há 60 anos. E o eucalipto transgênico da empresa FuturaGene, um empreendimento britânico, com centros de pesquisa no Brasil, na China e em Israel, e que desde 2010 faz parte da Suzano Papel e Celulose. O eucalipto não será usado apenas para produzir celulose, mas biocombustíveis (etanol) e energia.
Na realidade o rolo compressor dos transgênicos já atinge 28 países e uma área de 181,5 milhões de hectares, preenchidos por 10 variedades comerciais, a maior parte de soja, milho e algodão, segundo o ISAAA (Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia), o porta-voz mundial dos transgênicos, mantido pelas transnacionais. Em seu relatório de 2014 ele faz a seguinte citação do Brasil:
“- Os transgênicos ocuparam uma área de 42,2 milhões de hectares, aumento de 1,9 milhões, o maior dos últimos cinco anos. Futuramente o Brasil deverá fechar a lacuna com os Estados Unidos. Um sistema eficiente e com base científica de aprovação no Brasil facilita uma adoção rápida das sementes transgênicas”.
Parceria da Embrapa com a BASF
Cita a Embrapa, uma organização de P&D com um orçamento de um bilhão de dólares, que lançará em 2016 uma semente de feijão resistente a vírus em 2016 e no ano seguinte, uma semente de soja resistente ao herbicida imidazolinona, em parceria com a BASF – a variedade chama-se Cultivance. O ISAAA usa o método, já quantificar, mesmo antes de aprovado, o tamanho do mercado que a semente usufruirá, neste caso da soja da Embrapa-BASF 20% e uma exportação de 17 bilhões de dólares. Faz parte da estratégia imperialista. O resultado futuro é antecipado, a aprovação assegurada por pressão das empresas e de governos favoráveis aos transgênicos. Nunca esquecendo que de toda a área ocupado por estas sementes no mundo 40% estão nos Estados Unidos.
Como assegura a Monsanto, maior produtora individual de sementes transgênicas “investimos um bilhão de dólares em pesquisa e novos produtos por ano”. É apenas uma referência do rolo compressor, que sofreu um revés importante nos últimos dias, com a divulgação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do estudo de revisão de várias pesquisas da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), na Monografia IARC Volume 112 sobre a avaliação de cinco ingredientes ativos de agrotóxicos por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo o Brasil.
Agência Internacional do Câncer e o glifosato
A Agência classificou o herbicida Glifosato e os inseticidas Malationa e Diazinona como prováveis agentes carcinogênicos – provocam câncer – em humanos. E na mesma condição foram enquadrados os inseticidas tetraclorvinfós e parationa. A Malationa e o Diazinona são usados no Brasil em campanhas públicas contra vetores. O alerta foi divulgado em um comunicado do Instituto Nacional do Câncer (INCA), em um documento de cinco páginas que demonstra a preocupação dos pesquisadores com a disseminação de agrotóxicos no país, além da falta de recursos do Ministério da Saúde. Na verdade, em se tratando de agrotóxicos, temos uma realidade ao contrário no Brasil, onde o agronegócio corresponde a 30% do PIB, mas não sabemos a quantidade de veneno que estão nas águas que correm pelas bacias hidrográficas do país. Muito menos a quantidade de veneno que a população ingere diariamente em doses homeopáticas.
Pior: nunca haverá uma relação de causa e efeito com os venenos porque o acúmulo pode ocorrer por décadas até que surja um problema grave de saúde. O Brasil não tem sistema para detectar este tipo de informação – o sistema atual detecta as ocorrências graves. Mas faltam pessoas treinadas, laboratórios, esclarecimento por parte dos médicos, entre muitas outras coisas.
Projeto quer retirar rótulo dos transgênicos
Esta situação está definida e detalhada no Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos, que foi organizado no âmbito da Comissão Nacional de Produção Orgânica, como uma das estratégias do Programa Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, lançado pelo governo federal no ano passado. O problema é quando o governo vai aprovar e implantar o PRONARA. Há mais de sete anos a ANVISA tenta fazer a reavaliação de 14 princípios ativos de agrotóxicos no país e não consegue concluir o trabalho. As corporações entram na justiça com sucessivas medidas contra os processos. Acrescente isso à pressão política do Congresso Nacional, cuja maior expressão está em projetos que visam retirar a ANVISA do controle dos agrotóxicos.
O Projeto de Lei 4148, do deputado Luiz Carlos Heinze, um líder do PP na Bancada do Agronegócio e pescado pela espetacular Operação Lava Jato – assim como o resto da bancada no RS- simplesmente quer retirar a rotulagem dos transgênicos nos alimentos industrializados ou não. E está na pauta do Congresso. Outra característica do rolo compressor é misturar transgênico com as espécies naturais e seus produtos industrializados. A iniciativa é dos Estados Unidos que definiram que não há diferença entre plantas transgênicas e naturais, portanto, não precisariam ser avaliadas de forma diferente. Esse mantra destrutivo virou lei mundo afora.
Sementes imunes a vários tipos de herbicidas
No mês de março a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) decidiu agir contra o glifosato e a expansão das ervas daninhas. A porção de terra que 14 ervas daninhas ocupa naquele país chegou a 15 milhões de hectares. Isso obrigou as corporações, que lançaram o Cavalo de Tróia transgênico como um passo da humanidade para acabar com a fome, a produzir uma segunda geração de sementes, imunes a mais de um tipo de veneno – além do glifosato. A EPA quer relatórios sobre a expansão das ervas daninhas, plano de manejo e plano de restauração. O mesmo vale para a Dow AgroSciences. Agora, vejam o que a Monsanto divulga em seu programa Sistema Roundup Ready Plus, lançado em janeiro do ano passado, “que enfatiza a necessidade do uso de herbicidas com diferentes mecanismos de ação por hectare durante todo o ano agrícola”. Como exemplo cita os herbicidas de ação residual na pré-emergência, ou seja, antes das plantas nascerem, e por absoluta coincidência apresenta seu novo herbicida pré-emergente Sumisoya, cujo princípio ativo é a Flumioxazina, que compõem os herbicidas pré-emergentes mais vendidos nos Estados Unidos para a cultura da soja.
“- O Sumisoya é recomendado pelo Sistema Roundup Ready Plus como importante parceiro do Roundup no combate de plantas daninhas resistentes e de difícil controle na cultura da soja. Sumisoya será importante ferramenta neste sentido associada a outros princípios ativos que compõem as recomendações do Sistema Roundup Ready Plus”, explica a Monsanto.
Berinjela transgênica em Bangladesh
A questão é que o rolo compressor pretende expandir cada vez mais suas fronteiras e conta com parceiros bilionários. Como ressalta o ISAAA em seu relatório na última década muitas agências e fundações criaram projetos para facilitar a doação e a transferência da aplicação de biotecnologia agrícola de setores privado e público “para beneficiar os países em desenvolvimento, particularmente os pequenos agricultores de parcos recursos”. Para o porta-voz do rolo compressor não existe agricultura familiar. O ISAAA cita os exemplos de parcerias:
“- Alguns dos exemplos são a AATF (Fundação de Desenvolvimento de Tecnologia Agrícola), com sede em Nairóbi e atendendo as necessidades dos países africanos. Outro é o Projeto de Apoio à Biotecnologia Agrícola (ABSPII), que é um programa bilateral da Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), com atividades mundiais e operado pela Universidade Cornell. Os projetos de parceria público privados têm sido motivadoramente bem-sucedidos e têm oferecido vantagens que aumentam a probabilidade de entrega de um produto transgênico aprovado para o agricultor dentro de um prazo razoável”.
A berinjela Bari BtBegun, variedade transgênica produzida pela empresa indiana Mahyco e “generosamente” doada ao Instituto de Pesquisa Agrícola de Bangladesh, foi aprovada em 100 dias, um recorde. Tudo facilitado por se tratar de um projeto da USAID e implantado pela Universidade de Cornell. São apenas 12 hectares em 50 mil ocupados pela cultura da berinjela, que em Bangladesh é considerada a verdura dos pobres. O detalhe é insano: está sendo vendida como uma berinjela livre de agrotóxicos. Na África a atuação dos Estados e fundações como a Rockfeller, Gates e Howard Buffet é muito mais pesada, articulada e avassaladora. Será o tema do próximo texto. Infelizmente o Brasil faz parte deste circuito com o Prosavana, um programa implantado em Moçambique, que envolve também o Japão. Pretendem fazer o que fizeram no cerrado brasileiro, entretanto, com um problema gravíssimo – em uma área com 4,5 milhões de pessoas, que habitam o Corredor de Nacala – uma população maior do que os MS e MT juntos.
PS : no próximo dia 28, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva em parceria com a Fiocruz e a Editora Expressão Popular, lançará o livro Dossiê ABRASCO, contendo as três partes revisadas do material publicado ao longo de 2012 sobre o uso de agrotóxicos e suas consequências.
Texto original: CARTA MAIOR
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