Por Eduardo Guimarães
A economia viceja, os empregos se reproduzem, o salário do trabalhador aumenta acima de uma taxa de inflação sob estrito controle, mas não está tudo bem.
Greves de policiais militares, milhares de famílias sendo atiradas na miséria em benefício de ricaços picaretas, cidadãos sendo espancados e até assassinados por sua natureza íntima, ruas infestadas de crianças que se drogam, prostituem-se e roubam, sistemas de Educação e Saúde falidos…
Pode parecer estranho, inicialmente, mas tudo isso faz parte de uma mesma equação.
O Brasil é um país socialmente conflagrado. Os números de mortes violentas que produz equiparam-se ou superam até os de países em guerra. E o mais impressionante é que essa tragédia social se desenrola justamente em um momento em que esse país mais está distribuindo renda e oportunidades em toda a sua história.
Todavia, ainda é insuficiente. Este pais é superpovoado onde não tem espaço e subpovoado onde tem. Mas é na superpopulação nos centros urbanos que reside problema que nos esgota os recursos e que produz tensões sociais como as supracitadas.
Recentemente, em serviço voluntário prestado no rescaldo da tragédia humanitária em São José dos Campos que entrou para a história como O Massacre do Pinheirinho, o blogueiro depara com uma jovem mulher de menos de trinta anos em um dos abrigos visitados.
Ao começar a entrevistá-la para lhe tomar queixa que seria encaminhada à Defensoria Pública, crianças começam a acorrer para junto de si – uma escadinha etária de 8, 6, 5, 3 e 2 anos. Eram todos seus filhos.
A mulher se destaca de outras que se amontoam com os filhos naqueles depósitos de seres humanos que a prefeitura de São José dos Campos diz “abrigos”. É loira de olhos claros em meio a congêneres de desgraça em maioria negras ou mestiças. Como a quase totalidade das outras, não tem profissão e quase nenhuma instrução. Mas, à semelhança da maioria, tem religião.
Descobre-se que é paranaense, do interior do Estado, e que fugiu de casa quando engravidou pela primeira vez, antes dos 18 anos.
Mesmo com a forte queda de sua taxa de natalidade, o Brasil ainda sofre os efeitos da gravidez precoce e irresponsável. As mulheres de estratos sociais mais altos têm cada vez menos filhos, mas as dos estratos mais baixos entre os mais baixos continuam gerando proles enormes – imagine você, de classe média, tendo que sustentar CINCO filhos.
Se a reflexão for puramente racional, não se consegue entender essa loucura social que faz um país não oferecer a mulheres pobres e sem qualquer instrução um meio seguro de interromper gravidezes que lhes destruirão as vidas e as daqueles que irão pôr no mundo, se forem levadas a termo.
A sociedade brasileira praticamente obriga pessoas sem qualquer condição de procriação a gerarem legiões de crianças que irão crescer largadas ao léu, sem educação, sem saúde, sem orientação de qualquer espécie. Crianças para as quais a criminalidade acaba sendo o caminho mais fácil e atraente.
Não é à toa que temos presídios para crianças e adolescentes abarrotados daqueles que dogmas moralistas fizeram vir ao mundo, mas que após sua chegada se esqueceram deles.
Essa maioria esmagadora dos brasileiros que é contra a política de saúde pública adotada por praticamente todos os países de melhor qualidade de vida e desenvolvimento, o aborto, acha que interromper uma gestação quando a mulher tem dentro de si uma semente do tamanho de uma ervilha, se tanto, seria “crime contra a vida”, mas não dá a mínima para o que irá se tornar aquela criança.
Para controlar uma população que produz muito mais gente do que os sistemas de Educação, de Saúde e até o mercado de trabalho podem absorver, há que constituir um exercito, pois são pessoas que nascem e crescem sem qualquer estrutura familiar e que em parte significativa acabam caindo na marginalidade.
Chega-se, pois, a outro elemento da equação: até a criminalidade convencional seria insuficiente para abrigar a tantos que a maternidade irresponsável produz se não fosse outro dogma moralista. Só a proibição do consumo de drogas oferece “mercado” para tantos “trabalhadores” do crime.
Nenhuma outra atividade ilegal é tão difícil de combater e requer tanta “mão-de-obra” quanto o tráfico. Se, no limite, legalizássemos as drogas, centenas de milhares de pequenos criminosos não teriam mais serventia para organizações criminosas que exploram o mercado que o proibicionismo gera.
A suspensão da criminalização do uso de drogas e o tratamento clínico – em vez de policial – ao usuário vêm fazendo várias sociedades reduzirem custos com efeitos do tráfico e do consumo, o que lhes deixa recursos para investir na formação de sua juventude e na segurança pública.
Sem um mercado inesgotável para criminosos como é o tráfico de drogas e sem uma superpopulação forjada na obrigatoriedade de jovens imberbes e miseráveis levarem gravidezes até o fim, um país pode ter menos policiais, o que lhe permite pagar a eles melhores salários e lhes dar melhor formação.
Sem superpopulação e com educação de qualidade seria possível evitar que a população acalentasse tantos preconceitos. Estudos recentes mostram que o baixo nível de instrução é fator determinante da homofobia e do racismo, por exemplo.
Os que governam sabem de tudo isso. Pouco importa se são de direita ou de esquerda. No Brasil, quem vence eleições são políticos que sabem que é preciso legalizar o aborto e descriminalizar as drogas, mas ou se aproveitam da ignorância popular e exploram o preconceito ou ao menos não têm coragem de ficar publicamente do lado certo.
Não há dúvida de que um político que saísse em defesa do aborto ou da descriminalização das drogas jamais conseguiria se eleger para cargos no Poder Executivo que, para serem alcançados, requerem apoio da maioria de um eleitorado conservador nessas questões.
Por trás de tudo isso, as religiões. Só se sustentam com absoluto controle não só das mentes, mas dos corações e da própria alma dos “fiéis”. Manipular conceitos e valores intrínsecos permite às igrejas influírem em decisões eleitorais e, assim, tornam-se beneficiárias de uma bajulação de políticos que se traduz em isenções fiscais, financiamentos e favores análogos.
O grande dilema de um país como o Brasil, portanto, é descobrir como combater os dogmas moralistas que o atrasam. A falta dessa descoberta impõe obstáculos econômicos e sociais que acabam sendo intransponíveis. Chega a ser assustadora a descoberta de que a sociedade brasileira cria os seus próprios problemas.
texto replicado do Blog da Cidadania.
Olá, tudo bem? A redução da desigualdade social começou lá atrás com o Plano Real com o fim da inflação.. O resto é marketing político... Abraços, Fabio www.fabiotv.zip.net
ResponderExcluirFabiotv o plano real ajudou sim, mas a desigualdade começou com a distribuição de renda e criação de emprego, Mire-se no exemplo da Europa e verá que o fundamento neoliberal só aumenta o fosso que separa pobres e ricos. De resto tudo é questão de opção política
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